Eu me criei num lugar tão remoto que
nem mulher tinha por perto.
Timpas Cadelinho, com três anos de idade
Não tenho vergonha de dizer que perdi
meu cabaço comendo uma égua. Até porquê, ela também perdeu o
cabaço dando pra mim. Era tipo que uma novinha, tinha uns dois anos
se não me falha a memória. Solanja o nome dela.
Só fui saber o que era luz elétrica
quando eu tinha oito anos e estava na segunda série. Lembro até
hoje da primeira noite em que fechei a porta do quarto, respirei
fundo, bati no peito e pensei.
- Minha primeira noite. No Meu Quarto.
Com Luz Elétrica!
Da segunda e da terceira eu também
lembro, mas não foram tão importantes. Da quarta em diante não
lembro mais.
Era um ambiente vivido no ritmo
tecnológico do século dezenove. Ferro de passar roupa movido a
carvão. Geladeira a querozene. A tecnologia de ponta era uma
gambiarra que não sei quem fez que era uma tevezinha preto e branca
funcionando a bateria de carro. A bateria de carro era a tecnologia
de ponta no caso. Ela era século vinte.
Já exista carro, lógico, mas eu
cheguei a andar em dois Carangos das Antrolas Roots. Carroça puxada
a cavalo e carroça puxada a boi. A carroça puxada a cavalo
chacoalha pra caralho, já carroça puxada a boi é totalmente na
maciota. Bois só andam, bois não correm.
De posse desse conhecimento fiz minha
primeira trolagem que consta em minha memória. Era uma velhinha que
puta que me pariu, não lembro o nome. Que pecado! A gente tinha uma
Venda, como se chamava na colônia na época os mercadinhos de secos
e molhados e essa velhinha costumava fazer sortimento. Sortimento era
uma compra monstro mensal que dava para sustentar uma casa o resto do
mês.
E eu não ia com a cara dessa velhinha.
E nesse dia o sortimento dela incluiu uma caixa de gasosa. Gasosa era
como chamavam refrigerante na tal colônia. Tive uma ideia. Ela
levava o sortimento pra casa numa carroça puxada a cavalo. Quê que
eu fiz? Peguei um martelo e três preguinhos, um pra usar e dois de
reserva. Furei cada uma das vinte e quatro trampinhas das vinte e
quatro gasosas da merda do engradado.
Foi bonito de ver.
Quando ela saiu pra ir embora na
carroça o que se viu – ou que pelo menos eu tive o privilégio de
ver, foi o melhor e mais bem talhado chafariz de todos o tempos.
Essa era de traquinagens durou a era
que eu costumo chamar de Era Pré Alfabética. Entre aprender a falar
e aprender a ler e escrever. Aprender a falar foi fácil, me
ensinaram, aprender a ler e escrever foi mais difícil, tive que me
virar sozinho antes de fazer sete anos e começar a ir pra escola.
A era Pré Alfabética foi uma era
complicada. Não para mim, mas para quem me criou.
Teve um dia que eu decretei que faria
um churrasco de galinha. Não consegui matar a galinha, mas matei os
pintinhos. Doze para ser mais exato, uma dúzia. De churrasqueira
escolhi um pneu de moto cortado exatamente ao meio, que servia para
dar água para, justamente, as galinhas. Para desossar os doze
pintinhos usei um serrote. Basicamente eu virei cada um deles ao
avesso. Não lembro como fiz o fogo, só sei que a festa acabou
quando a fumaça da borracha queimando alertou as autoridades.
Também taquei fogo numa lavoura de
milho de três hectares, dormi três noites fora de casa numa lona de
caminhão, mas contar essas tretas já seria me estender demais. O
que importa é que a era pré alfabética teve um fim. Importa para
quem me criou, para mim na ápoca, não teve a mínima importância.
Não me interessava o fim de uma era. O
que me interessava era o início de uma nova. E o descobrimento da
letra S foi fundamental nesse processo. Tentei de tudo que é jeito
descobrir sozinho como fazia, mas não consegui. Pedi para que me
ensinassem como se faz a letra que faz o som SSSSSSS. Me mostraram e
agradeci com um presente. O desenho de uma torneira aberta e letras
Ss pra tudo quanto é lado. Era a última letra que me faltava
aprender.
Desde aquele dia, nunca mais fui o
mesmo.
O meu irmão mais velho é que se
aproveitou. Ganhava apostas na venda de noite, em cima dos trouxas
que não acreditavam que eu sabia ler. Outra aposta que ele ganhava
dos trouxas não tinha nada a ver com o fato dessa minha nova
habilidade.
Era uma parada feita com imã. Só que
isso é assunto para outra postagem.